Qual o limite da representatividade? Um Homem Diferente traz reflexão e traz desconforto estratégico no enredo

O filme Um Homem Diferente chega às telonas do cinema nesta quinta-feira, dia 12, e conta a vida de Edward, um homem que tem neurofibromatose (grupo de doenças genéticas que afeta o sistema nervoso e a pele), e que tem o rosto com deformidades e excesso de pele por conta da doença. 

Edward, interpretado por Sebastian Stan, é um ator sem sucesso, conseguindo apenas papéis em vídeos empresariais para ensinar os trabalhadores como tratar bem pessoas com essas condições. Ele também é retratado como um homem retraído, tímido e triste, que sente que as pessoas se enojam dele, algo que é mostrado com o foco da câmera nas reações do povo ao redor do personagem. 

No entanto, tudo muda quando Ingrid, vivida por Renate Reinsve, se muda para o apartamento ao lado e começa a tratá-lo normalmente, algo que, para ele, nunca tinha acontecido. Os dois vão criando uma amizade e ela, que é uma escritora de peças sem sucesso, promete um papel especial para ele em uma de suas produções. 

Com o tempo, Edward acaba se apaixonando por sua vizinha, mas é rejeitado, o que faz com que ele decida participar de um tratamento experimental que pode diminuir, ou acabar por completo, com os tumores e deformidades de seu rosto. Depois de cenas agoniantes, Edward, que virou noites em sofrimento e muita dor, consegue o resultado dos seus sonhos e assume um rosto considerado o aceito pela sociedade. 

Isso já começa a gerar certo desconforto no telespectador, que vem acompanhado de uma reflexão: até onde você vai para alcançar o padrão de beleza? O filme de Aaron Schimberg usa como arma o desconforto reflexivo, o que faz com que diversas cenas tenham essa carga sentimental.

Forjando sua morte e buscando um recomeço, Edward adota o nome Guy e muda totalmente o rumo de sua vida. Agora, ter mulheres não é mais um problema, sua vida financeira também aumentou, assim como o seu ciclo de amizades. Porém, Ingrid cruza seu caminho novamente e vira sua vida nova de cabeça para baixo. 

Agora com uma peça nova, intitulada Edward, Ingrid está à procura de um protagonista para dar vida ao seu personagem, inspirado no seu antigo amigo, que ela acredita estar morto, para contar a história que os dois viveram. Guy, que se depara com sua vida antiga, decide tentar entrar para o elenco, mas acaba sendo rejeitado logo de cara por não ter alguma deformidade. Em um ato de desespero para conquistar tudo que sempre quis, Guy coloca uma máscara do seu antigo rosto e acaba conseguindo o papel – e também Ingrid, que se questiona constantemente se o fato de colocar maquiagem no seu protagonista para representar sua condição é ético, ou se procurar pessoas somente por suas deformidades seria ofensivo, fazendo com que os telespectadores também se perguntem o mesmo.

Até que tudo muda novamente quando Oswald, interpretado por Adam Pearson, personagem e ator que possuem neurofibromatose, chega na vida deles. Animado, engraçado, confiante e até meio sexy, Oswald deixa estampado que é o completo oposto do que era Edward, representando que apesar de sua condição, o que vem de dentro é sempre mais importante, e aos poucos ele começa a conquistar tudo que Guy tinha: primeiro o papel na peça, depois os amigos, e por fim, Ingrid.

Aaron já nos deixa com outras perguntas: quem seria o ideal para viver o protagonista? Oswald por sua aparência? Guy por ser o Edward? Até onde a representatividade vira exploração? 

Será Edward e Guy a mesma pessoa, ou ele perdeu sua essência ao perder seu antigo rosto? Esse questionamento é feito pelo próprio personagem ao sentir que não sabe mais quem ele é. Ironicamente, Guy significa cara em inglês, o que pode ser visto como uma crítica ao fato do Edward não conseguir escolher nem um nome para sua nova versão. 

Consumido pela inveja, Guy começa a observar a vida de Oswald, quase como um stalker, e o personagem de Adam Pearson vai ganhando cada vez mais espaço no filme. Isso faz com que a história seja uma espécie de metalinguagem, já que você pode ver o mesmo padrão acontecendo três vezes: entre os atores, entre Edward/Guy, e entre os personagens na peça.

Isso porque Sebastian Stan não possui neurofibromatose e vive o protagonista do filme, que acaba perdendo um pouco dos holofotes, e também o enredo que era para ser dele – conquistar a garota, o papel principal, o foco – para Adam, que acaba ganhando a história quando interpreta Oswald. Durante o filme, as mesmas coisas acontecem entre os personagens, que passam pelo mesmo ao darem vida aos personagens da peça, a qual conta a história da vida deles.

Já Ingrid representa justamente o lado dos diretores. Ela mostra a dificuldade da escala do elenco, os questionamentos da ética, da ofensa, dos limites da representatividade, da escolha de um ator sem deformidades para ser o principal e a mudança ao chegar outro com as condições esperadas. 

O enredo do filme nos traz diversos questionamentos e várias perspectivas diferentes, tudo isso com um tom relativamente leve que te prende até o final. Além disso, o nome também transmite diversas facetas, já que um homem diferente pode representar Edward, que por ter uma doença poderia ser considerado diferente pela sociedade; ou Guy, que ao passar pelo tratamento se tornou um homem diferente, tanto pela aparência, quanto pela personalidade. No entanto, Oswald também representa um homem diferente, seja pela sua condição, mas principalmente por quebrar a imagem do telespectador de que pessoas com deformidades precisam ser sempre mostradas como vítimas nas produções, mostrando ser um homem diferente por sua personalidade e confiança. 

E você, consegue achar uma resposta para as perguntas?

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