Flavio Cavalcanti, apresentador que entrevistou Kennedy, completaria 100 anos
Fiel amiga e parceira de trabalho relembra o apresentador que criou formatos
e ajudou a escrever a história da televisão brasileira.
Na quinta-feira 22 de maio de 1986 eu não assisti ao programa Flavio Cavalcanti no SBT, mas no dia seguinte o telefonou contando que Flávio passara mal após a sua apresentação e fora internado. Um tempo sem internet as notícias chegavam por telefone. Eu pedira ao Flávio para convidar Elymar a participar do programa. Um ano antes o “cantor do subúrbio” como era conhecido, alugara o Canecão, a maior casa de shows do país, e estava lançando um disco. Elymar contou que viu Flávio pedir o tradicional “nossos comerciais, por favor” e antes de sair do ar mandou um beijo para “Léa Penteado”. Telefonei para o hospital, falei que estava indo à São Paulo vê-lo e respondeu “venha no próximo fim de semana quando eu voltar pra casa”. E o próximo fim de semana não chegou. Na 3ª feira dia 27 fui buscar seu corpo no Aeroporto Santos Dumont e acompanhei até o cemitério de Petrópolis.
Minha história com Flávio começou em janeiro de 1970 ao ser contratada como repórter do seu programa na TV Tupi. Um mês depois a secretária pediu demissão e com poucas mulheres na equipe, Gilda Muller, gerente e sua comadre, pediu que temporariamente eu o atendesse e se passaram 3 anos. Aprendi muito neste período onde aos domingos era apresentada como “minha secretária dona Léa Penteado”. Ele era o Senhor dos Domingos, a maior audiência da tv brasileira. Criativo, ágil, destemido, eloquente, dramático, influente, engraçadíssimo, Flávio foi meu amigo essencial. Poderia contar sobre a sua importância na TV brasileira, da criação do júri na TV às dezenas de concursos que revelavam anônimos e artistas, contar como foi perseguido pelo governo militar, como perdeu e recuperou tudo. Mas prefiro contar do amigo que me entregou um cheque em branco para cobrir as despesas do nascimento do meu filho, que me deu uma viagem de férias para a Europa, que me indicou para um emprego em Nova York. Tantos marcos, mas nada foi maior do que seu exemplo como amigo. Foi o melhor amigo dos seus amigos. Aprendi essa lição muito bem e hoje comemoro seus 100 anos de nascimento e quase 37 sem a sua presença física, colhendo e cuidando de amigos assim como ele fazia. Parabéns, meu amigo!
Quem foi Flavio Cavalcanti
Ele foi o responsável pela criação do formato de programas de calouros com jurados, estilo que foi seguido muitos comunicadores ao longo da história. Seu estilo polêmico, irreverente e destemido representava a certeza de altos índices de audiência e sua trajetória mudou a televisão brasileira e ficou marcada por passagens pela TV Tupi, TV Rio, TV Excelsior, Rede Bandeirantes e SBT.
Apelidado pela imprensa da época como o Senhor TV, descobriu nomes da MPB como Fafá de Belém e Alcione. Contemporâneo a Chacrinha e , Flavio Cavalcanti ( 1923 – 1986) foi o símbolo de uma época. “Nossos comerciais por favor!”, sua inesquecível maneira de anunciar os intervalos durante o programa também viraram uma marca registrada.
Sua carreira foi iniciada no rádio, onde apresentou “Discos Impossíveis” na Rádio Tupi do Rio de Janeiro. Em 1957 estreou na televisão com o programa “Um Instante, Maestro!”, na TV Tupi. Pouco tempo depois mudou para a TV Rio e lançou o “Noite de Gala” que, entre muitas reportagens marcantes, entrevistou o presidente John F. Kennedy, na Casa Branca em Washington (foto abaixo).
Em 1965 estreou na TV Excelsior o programa “Um instante, Maestro!” com o primeiro júri da tv brasileira. No ano seguinte foi novamente contratado pela TV Tupi, onde apresentou dois programas: “A Grande Chance” e “Sua Majestade é a Lei”.
Em 1970 estreou o “Programa Flávio Cavalcanti” na TV Tupi do Rio. Esta sua fase ficou marcada por um episódio ligado a censura militar ocorrido em 1973 quando foi tirado do ar por 60 dias após a mostrar a história de um homem inválido que “emprestou” a mulher ao vizinho.
Em 1976 reestreou o “Um instante, Maestro!” no Canal 11 (TVS), do Rio e seguiu sua carreira com passagens pela na TV Tupi Carioca e TV Bandeirantes de São Paulo até ser contratado, em 1983, pelo onde estreou o “Programa Flávio Cavalcanti”, que permaneceu no ar até sua morte.
Entre as marcas registradas de seu estilo polêmico destacou-se a maneira dura e sem papas na língua de criticar artistas ou músicas que considerava ruins, que sempre culminavam no ato de quebrar discos ao vivo. Também ficou famoso por gestos como a mão direita para o alto e o bordão “Nossos comerciais, por favor!”, ao pedir o intervalo, e o jeito único de pôr e tirar os óculos em cena.
Sua morte, 26 de maio de 1986, causou uma comoção popular. Neste dia, após chamar os comerciais, Flavio Cavalcanti não voltou mais ao ar. Ele sofreu uma isquemia no coração e foi levado com urgência para o hospital, onde morreu quatro dias depois.
Seu velório e sepultamento, na cidade de Petrópolis, contou com a presença de personalidades como Silvio Santos, Hebe Camargo, Chacrinha, Ronald Golias, entre outros. Em sua homenagem, o SBT, sua emissora na época, ficou fora do ar por 24 horas como sinal de luto.
Biografia escrita pelo filho
Escrito por Flávio Cavalcanti Jr., filho do apresentador, o livro “Senhor TV – A vida com meu pai” é um relato sobre a sua vida e trajetória na televisão. Entre as passagens mais polêmicas o autor relembra a suposta ligação de seu pai com o regime militar, inicialmente encarado com simpatia pelo comunicador, mas logo em seguida, ao perceber que havia se instaurado uma ditadura, foi explicitamente condenada por ele.
“O livro desvenda como funcionava a cabeça do meu pai, suas ideias, sua coragem, suas aparentes contradições e seu refúgio junto a família”, afirma o escritor.
Sobre Lea Penteado
Jornalista, trabalhou em importantes órgãos de imprensa do Brasil, como o jornal O Globo, Editora Abril, Bloch Editores, TV Globo e TV Tupi. Escreveu três livros e o argumento de um filme. Foi assessora de eventos da Prefeitura do Rio de Janeiro/RJ e secretária de cultura de Santa Cruz Cabrália/BA.
Já morou no Rio, São Paulo, Nova York e Lisboa, mas desde 2004 optou por viver em Vila de Santo André, um pequeno povoado no sul da Bahia com menos de 800 habitantes, onde atende clientes em consultoria de comunicação e atua em projetos sociais.
Lea relembra suas imperdíveis histórias em seu perfil , no Instagram e no blog .