Maria Fernanda Cândido estreia primeira versão brasileira de espetáculo sobre Clarice Lispector: – Grande exercício de memória

Neste sábado, dia 25, Maria Fernanda Cândido estreia no Teatro Jaraguá, em São Paulo, a primeira versão brasileira do espetáculo Balada Acima do Abismo, com direção de Gonzaga Pedrosa, participação da pianista Sonia Rubinsky e texto concebido e adaptado por Catarina Brandão criado a partir de obras de Clarice Lispector. A apresentação, que fica em cartaz até o dia 9 de fevereiro, traz a atriz passeando pelo universo literário da escritora e momentos de sua vida.
O Fofocas e Famosos participou de uma coletiva de imprensa com o elenco. Durante a conversa, Maria Fernanda explicou em detalhes o arco do espetáculo.
– Nesse texto, que é da Catarina Brandão, a gente tem um arco muito bonito de memória de uma vida, vamos atravessar, pior exemplo, o fato de ela ter nascido na Ucrânia. Começa já desde a concepção, vamos atravessar essa gestação de vida até esse ponto final. A gente vai passar pela infância, pela morte do pai, por essa chegada no Brasil, pelo amor à língua portuguesa, pelo ato criativo, pelo fato de ela ser uma escritora, a dificuldade que é o artista dar forma a alguma coisa. Ela diz que escrever salva a alma presa, a pessoa que se sente inútil, o dia que se vive e não se sente a menos que se escreva. Escrever é abençoar uma vida que não foi abençoada.
Ela ainda reflete:
– E a gente chega depois também nessa infância, a infância em Recife. Você vai ter toda essa parte do Carnaval, das quartas-feiras de cinzas, depois a gente atravessa também essa vivência que ela tinha com o entorno, né? A repartição dos pães, as frutas, essa coisa toda que é tão nossa, que é tão Brasil, que a gente conhece tanto. Pra terminar nesse lugar em que ela se encontra, que já não é mais entre nós. Então, é um grande ato, é um grande exercício de memória, em que vou contar tudo que me aconteceu, mas preciso contar como se eu tivesse vivendo isso. É o exercício de contar e viver ao mesmo tempo. Então, é uma narração de quem está vivenciando algo. Acho que esse é o grande exercício desse trabalho específico que a gente está fazendo.
A artista revela que o espetáculo nasceu em 2022 como um recital na França e que, após ter uma grande recepção do público local, decidiram fazer uma segunda temporada e posteriormente transformar as leituras em um espetáculo teatral.
– A gente foi convidado pela Catarina Brandão para comemorar o centenário de Clarice Lispector em Paris. A Catarina era da Embaixada brasileira da França nesse período, então me convidou e a Sônia. Fizemos esse recital em homenagem ao centenário, nos apaixonamos por esse texto, sentimos que havia uma possibilidade e seguimos fazendo essas leituras dramáticas que tinham já o texto da Catarina. Recebemos uma recepção muito grande do público francês, muita gente descobria a Clarice ali, tinha casa lotada. Passou um tempo, fizemos a segunda temporada e tive a ideia de transformar essas leituras dramáticas em um espetáculo teatral. Agora temos a montagem brasileira, é a primeira vez que esse texto vai ser feito em português.
Gonzaga contou que a apresentação busca fazer um diálogo entre literatura e música ao colocar a pianista interpretando ao vivo grandes obras do repertório.
– Foi proposto um diálogo entre a literatura e a música, deixando claro que uma não é apoio para a outra, cada uma tem a sua personalidade, o seu lugar e expressão e potência conquistado por milênios da cultura universal. Veio a mim esse presente que é traduzir essa literatura para a expressão, para a ação, para o teatro. É um grande desafio. Como você trazer a literatura pela Clarice Lispector, a música por Sergei Rachmaninoff, Villa Lobos através da Sônia, a literatura Clarice Lispector pela Maria Fernanda. Para mim, como diretor, é possibilitar essa viagem por esses universos e ter apenas, unicamente, o texto como referência.
E Sonia reflete sobre como o seu papel no espetáculo é muito especial:
– É muito raro uma pianista ou músico fazer teatro dessa maneira, porque a música está dentro da trama, então esse casamento é muito especial.
– São músicas minuciosamente escolhidas, elas estão em momentos muito estratégicos e específicos do espetáculo, completa Maria Fernanda.
Falando sobre como é a sua experiência com o teatro, a atriz destaca as principais diferenças com o cinema, destacando que nos palcos possui maior participação em todo o processo de criação e entrega.
– Eu costumo dizer que o cinema é muito a arte do diretor, nós chegamos para contribuir, a gente acaba sendo uma peça dentro dessa grande engrenagem, onde vão existir muitas colaborações, mas que, de fato, esse filme vai acontecer na montagem. Você tem um processo de montagem que vai definir o que vai ser essa obra, então não está nas nossas mãos. Acho que aqui no teatro a gente tem mais acesso ao processo como um todo, do início ao fim. Inclusive, a partir do momento em que se abre a cortina. Todos nós estamos ali trocando essa energia com a plateia.
Ao ser questionada sobre como concilia trabalhos na televisão, cinema e teatro, Maria Fernanda conta que já está acostumada, pois sempre transitou entre os diferentes meios artísticos ao longo de sua carreira. Ela ainda celebra seu retorno ao Teatro Jaraguá após 18 anos.
– Eu acho que eu consigo conciliar bem, fui sempre intercalando teatro, cinema, televisão… Fiz várias peças no Brasil, tivemos essa experiência incrível em Paris, que foram os recitais de leituras dramáticas desse texto que foram feitos em duas temporadas em Paris. Agora, aqui em São Paulo, de volta depois de 18 anos nesse teatro de novo. Fiz aqui Pequenos Crimes Conjugais com direção do Márcio Aurélio.
Em conversa com o Fofocas e Famosos, Gonzaga esclareceu que na França Maria Fernanda realizou apenas uma leitura, sem a encenação. Agora que chega ao Brasil, ela faz a sua primeira encenação e primeira montagem do espetáculo com o texto original em português, enquanto no país europeu se tratava de uma tradução. Por conta disso, a atriz teve muita dificuldade em retornar ao seu idioma.