Roosevelt Colini apresenta novo olhar sobre empoderamento e compartilha sua bagagem cultural

O escritor Roosevelt Colini que andou fazendo outras coisas por 30 anos e que faz agora meio sculo de idade. Quando o vagalho de 1968 acabava de deixar suas ltimas espumas na praia e recuava com fora ao mar, arrastando aquela gerao de volta para as utopias irrealizadas e deixando o cheiro de maresia e AIDS na dcada de 1980, Roosevelt participou da ltima leva do movimento estudantil no-profissionalizado.

Depois, foi jornalista por dois anos na Folha de S.Paulo e ento decidiu batalhar grana virando empresrio. Estudou Filosofia e Cincias Sociais na USP, mas no conclui nenhum dos cursos. Escalou dois dos sete cumes mais altos dos continentes: Elbrus e Kilimanjaro. Montou uma operadora de telecomunicaes, mas h trs anos, delegou a gesto da empresa. Escreveu trs romances e dezenas de contos. Daqui para frente, sua vida ser focada na escrita.

As cartas do pai no chegam mais. O aguardo pelo seu retorno, no fim da tarde, comea a desesperanar me e filha que decidem partir procura dele, porm sem nenhuma pista do seu paradeiro. assim, com  muito suspense, que Curva do Rio, de R. Colini, se inicia e convida os  leitores a viajarem no tempo e conhecerem um Brasil, das dcadas de 1970, 1980 e 1990, com   represses, desigualdades sociais e revolues.

Em um cenrio novo, a menina nordestina e de baixa renda enfrentar os  desafios da migrao, o comeo tardio na escola e sua jornada ascenso social por meio da educao, que a levar a seguir uma carreira acadmica. Em meio a estas transformaes, a personagem crescer, viver amores, a liberdade sexual, as repercusses da AIDS no Brasil, a inflao galopante e a poltica estudantil. Confira a entrevista!

Recm-lanada, a sua obra ‘Curva do Rio’ relata as grandes mudanas vividas pelas mulheres nessas ltimas dcadas, saindo de suas posies de dependncia material e psicolgica e assumindo postura de protagonistas em suas vidas. Como aconteceu o nascimento desse livro e como foi passar essa mensagem de empoderamento atravs da literatura?

O local aonde cheguei, migrando de Taguatinga-DF para So Paulo, o mesmo onde foi ambientada a infncia da personagem do livro. H alguns anos eu tentei fazer um balano sobre as vidas daqueles jovens do bairro, procurando nas redes sociais. O que encontrei foi uma predominante repetio das condies de existncia, uma profecia autorrealizvel que eu cito no livro.

Mas foi muito pior para as meninas. Trs garotos, incluindo eu, conseguiram chegar at a universidade pblica, mas nenhuma garota. Quanto aos que seguiram algum tipo de carreira e progresso material, s tive notcia de uma colega, que fez carreira em um banco. Do lado dos homens, foram vrios os que conseguiram.

Isso me angustiava, e quando descobri o ativismo estudantil (e depois na universidade), conheci jovens fantsticas, com origens ainda mais humildes que a minha, e que brilhavam e continuaram brilhando pela vida. Elas desafiaram tais profecias, venceram barreiras, tornaram-se livres e independentes, em uma poca mais difcil que hoje. Empoderamento no era um termo utilizado na poca, a gente seguia o instinto e a crtica social. Meu objetivo no livro no exatamente esse: so histrias, alegrias e dores que eu gostei muito de reviver.

A respeito do ponto de vista utilizada pelo seu livro, voc como homem, para descrever esse tipo de situao, durante a construo chegou a usar historias vividas por outras mulheres ou outros estudos? Como para um homem conseguir abordar esses temas?

Foi um desafio considervel, mas que me atraiu demais. Adoro a Clarisse Lispector falando na voz masculina, muitos autores fizeram isso, mas um conto maravilhoso do Haruki Murakami (O pequeno monstro verde) me provou que era possvel escrever no nvel de intimidade que eu procurava. E sim, so histrias vividas por amigas daquela poca. Foram longas conversas, confidncias, risos e choros que eu guardei at hoje. Ouvir ouro, sempre foi. O meu interesse no humano, em particular o feminino, permitiu realizar essa imerso. Eu pergunto para algumas leitoras que enviaram mensagens atravs das redes: Eu consegui te convencer? A depender da opinio dessas leitoras, eu fui bem-sucedido.

O movimento feminista vem ganhando cada vez mais importncia por tentar (e conseguir em muitos casos) igualar os direitos entre ambos os sexos, e desde o histrico incndio na fbrica txtil da Triangle Shirtwaist em 1911, e que virou um marco para que se se inicia uma verdadeira luta pelos direitos das mulheres. Como acredita ter sido a influncia desse marco?

Vejo essa atrocidade como parte de um momento da histria contempornea em que movimentos sociais ganham conotao poltica e especfica. A luta das mulheres e outros segmentos oprimidos comeam a ganhar contorno de forma irreversvel, entre avanos e recuos.

Admiro muito o papel das mulheres na revoluo francesa, eu diria fundamental. Alm disso, elas foram muito ativas nos movimentos de resistncia aos nazistas. No entanto (so os tristes paradoxos da histria) na Frana elas s foram votar no final da segunda guerra. 1911 realmente um marco, mas no podemos esquecer as precursoras solitrias dessa luta, em particular Flora Tristan, cuja histria de vida d um livro (deu mais de um).

Vrios de seus artigos foram escritos para o jornal ‘Gazeta do Povo’. Como foi a sua entrada nesse veculo e como o jornalismo influencia voc no dia a dia?

Eu conheci o jornalismo na Folha de S.Paulo quando tinha 21 anos e fui o caula da redao. Afastei-me por alguns anos (bota alguns nisso) para me dedicar a projetos de tecnologia ligados internet. Quando esses projetos foram consolidados, voltei s origens. Escrevi quatro romances e dezenas de contos, alm de artigos eventuais para alguns jornais, dentre os quais a ‘Gazeta’.

O jornalismo foi decisivo na minha formao de leitor. Os cadernos culturais nos influenciavam muito, eram maravilhosos e foram marcantes para as ltimas duas ou trs ltimas geraes, incluindo a minha.

Hoje eu fico preocupado com o rumo do jornalismo e espero que as empresas consigam vencer a barreira do fim do papel e que o pblico se conscientize de que a imprensa profissional fundamental para a democracia. A assinatura de um jornal (pouco importa se digital ou de papel) uma ao de cidadania.

Durante todo esse tempo que tem de carreira, voc j publicou vrios artigos e livros. Como costumam nascer e quais considera serem os passos para transcrever ideias para os seus textos? O que costuma inspira-lo em seu trabalho?

O que mais me inspira o legado dos outros escritores. Para cada romance que escrevo, h pelo menos uns quarenta que li pelo caminho. Para cada conto, pelo menos vinte.

Eu concordo com Faulkner: no acredito na inspirao. A base da literatura a experincia, a observao e a imaginao. O Curva do Rio tem principalmente experincia e observao, enquanto no meu prximo lanamento a trama se passa durante a Guerra de Canudos, onde a imaginao tem um papel um pouco mais predominante.

Quando ao processo criativo, eu no penso previamente na estrutura e na forma. Eu me deixo conduzir pelos primeiros dois ou trs captulos. Nesse ponto eu j defini as linhas gerais dos personagens e o tipo de abordagem. Pode acontecer de reescrever esse incio para mudar a narrao de primeira para terceira pessoa. Nesse ponto o estilo ganha definio. Talvez por isso os meus livros sejam diferentes entre si. preciso um olhar detalhista para dizer que o autor do Curva do Rio o mesmo que escreveu ‘Entre fogo, sob a gua’, meu prximo lanamento.

Sobre sua trajetria na literatura, voc acredita que com um pouco de dedicao e estudo, qualquer um poder proporcionar uma boa leitura em suas obras? Quais so os segredos para ter boas ideias e dar os primeiros passos na escrita de um livro?

Acho que sim. No escrevo de forma hermtica, embora exija do leitor algumas consultas no Google: de vez em quando eu coloco algumas citaes de msicas ou trechos de outros escritores que gosto em itlico, sem identificao da fonte. Acho estimulante esse tipo de busca e descoberta.

Se h alguma frmula para dar os primeiros passos, eu recomendo o livro Viver para Contar, do Gabriel Garcia Mrquez. O livro sobre sua histria criativa. Ele estava patinando com dificuldade nos seus primeiros textos, at que finalmente resolveu olhar para dentro de si e de sua histria, em uma viagem lendria cidade de sua infncia que inspirou Macondo. Para ele foi uma revoluo. No quero dizer que esteja limitando a opo criativa autobiografia. O que se busca o acervo de experincias infantis e de vida para dar o passo seguinte.

Em meio a estas transformaes, a personagem crescer, viver amores, a liberdade sexual, as repercusses da AIDS no Brasil, a inflao galopante e a poltica estudantil. A respeito da temtica, a sua obra traz muitos exemplos do cotidiano. Como argumentar sobre esse assunto com o pblico jovem, que muitas vezes sentem no ter liberdade sexual?

Em relao ao sexo, talvez eu consiga demonstrar aos jovens que seus pais e mes tambm enfrentaram conflitos e impasses de ordem amorosa e de escolhas sexuais.  Alis, os vovs e vovs tambm… E que, mesmo sob uma ditadura carola, enfrentar desafios e adotar postura de liberdade do corpo uma opo, mesmo que dura, mesmo que difcil, mas uma opo e que os jovens tero sempre a possibilidade de recusar as mistificaes.

Durante sua vida profissional, voc j passou por vrios trabalhos, tais como office boy, empreendedor no ramo de startups, jornalista e hoje autor. Em qual ponto da sua vida percebeu que queria seguir na escrita e como cada profisso teve influncia para formar quem voc hoje?

Sempre fui rato de biblioteca. Porm a primeira vez que pensei que poderia escrever foi l pelos dezoito anos. Eu frequentava o laboratrio de redao literria do Museu Lasar Segall. A partir da eu sabia que, com intervalos mais ou menos longos, eu jamais deixaria de escrever. Nos ltimos seis anos essa minha atividade principal.

Se a literatura pode deixar a gente um pouco mais ctico, ela tem a capacidade de fortalecer nossos juzos morais. A gente no l um livro sobre o holocausto ou o 1984 e sai imune da leitura. Por isso acho que a literatura teve mais influncia nas minhas atividades profissionais do que o contrrio. Seja do ponto de vista tico, seja na boa dose de criatividade que a gente precisa arrancar do nada para vencer as encruzilhadas.

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Com Regina Soares, Letcia Cleto e Affonso Tavares

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